Relatos e boas histórias
Estudos interrompidos
Relato de uma jovem mãe que teve que interromper
os estudos por 17 anos
Por Brenda Daniela | Compartilhe:
Foto: divulgação
Miriam, na segunda fila da esquerda para direita.
Miriam Soares, 34 anos, mãe de dois filhos, estudante, residindo na cidade de Venâncio Aires, RS, sabe muito bem o que é isso, pois vivenciou o quadro quando adolescente grávida aos quatorze anos teve que interromper os estudos: “Eu parei porque era muito puxado, eu não conseguia conciliar as duas coisas e aí eu resolvi parar. Aí depois que a minha primeira filha, a minha primogênita, tinha três anos, eu retornei, só que houve greve naqueles anos. Só que daí eu parei na greve e não voltei mais daí ”.
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Localização do município de Venâncio Aires, Rio Grande do Sul
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Miriam que estava há dezessete anos sem estudar decidiu retomar os estudos no ano de 2019, através da modalidade do EJA- Ensino para Jovens e Adultos onde retornou ao segundo ano do ensino médio com o objetivo de concluir a escolarização básica relata: “Tem prós e contras, e a favor sempre conta mais, porque é muito bom, é gratificante. E quando tu descobre uma coisa que tu não sabia, é gratificante demais, muito gratificante”.
A estudante conta que foi muito tranquilo ter cursado essa modalidade, onde aprendeu muito e passou muito rápido, mas que inicialmente foi difícil “É bem complicado no primeiro instante tu retornar à sala de aula, porque tu não lembra de muita coisa que tu aprendeu lá atrás”.
Retomar os estudos exige coragem. E para quem ficou durante anos afastados das salas de aula é ainda mais difícil. Os motivos das desistências são muitos. De acordo com uma pesquisa realizada pelo IBGE no ano de 2020, os resultados da análise constataram que entre as razões apresentadas pelos jovens a de “precisava trabalhar” foi a resposta mais recorrente com maior incidência para os homens (43,1%), do que para as mulheres (26%).
Miriam também comenta sobre as dificuldades de retomar os estudos e de permanecer, se referindo às pessoas que ficaram muitos anos afastadas.
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"É bem complicado assim. E sem contar que família a gente já tem, tem casa, tem uma rotina pra seguir e isso se torna muito puxado (...) a gente que é mãe, trabalha fora...”, afirma Miriam.
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Miriam optou ainda por dar continuidade aos estudos e hoje cursa Técnico em Enfermagem, um dos motivos que a levou a ter retomado os estudos foi a vontade de cursar o técnico. A estudante relata do incentivo que teve: “Eu tive um incentivo muito grande, primeira pessoa que mais me incentivou, é uma pessoa que não está mais entre nós, que é meu sogro, em memória Oldemar Francisco da Silva.” Segundo relatos da estudante, o sogro a incentivou por perceber que era uma área onde ela sabia lidar porque demonstrava amor no período em que seu falecido marido estava doente. Ela também cuidou do sogro e da sogra quando estavam hospitalizados. “E eu sempre cuidei muito de medicação, de horário, o que tava tomando, porque servia (...) foi um grande incentivador para mim, foi meu sogro” afirma Miriam.
Hoje Miriam continua estudante e tem planos de talvez depois que se formar e trabalhar na área de enfermagem, cursar também Ciência Contábeis por ser uma área da qual sempre gostou. E finaliza com um recado para aqueles que ainda não voltaram a estudar “ Olha, se tu tem um sonho, se tu tem vontade, corra atrás porque vale à pena. Eu digo que no começo eu achava que 'aí eu não vou conseguir’, mas a gente consegue, vamos lá. E é como eu disse, conhecimento é uma coisa tua e ninguém tira de ti”.
A luta pela profissionalização
Conheça a história de Aron Kostuchenko que com muito esforço e dedicação conseguiu adquirir uma profissão
Por Caroline Kostuchenko | Compartilhe:
Foto: divulgação
Aron, primeira fila, segundo da esquerda para a direita.
Aron Kostuchenko, 63 anos, nascido e criado no interior sempre teve uma rotina pesada de trabalho, eram muitos dias no sol quente. Iniciou seus estudos e alternava as atividades com os trabalhos da roça.
Aron nos conta que os estudos na época iniciavam por volta dos 7 anos de idade e, devido às tarefas de casa, que eram muitas, o estudo acabava ficando em segundo plano.
“Então, na época, a gente começava estudar na média aos 7 anos de idade e passava alguns tempos e tinha as tarefas de casa, a gente morava no interior, então tínhamos os bichinhos
para tratar, tinha que correr na roça junto com os pais em um turno”, afirma.
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Os estudos não eram levados muito a sério e, também, muito mais fracos, a informação era algo que não chegava por ser no interior, era o que a professora passava, apenas isso. “Não tinha como a gente evoluir, não tinha informação nenhuma, isso faz 50 ou mais do que isso, então era uma dificuldade os estudos. Era estudado até uma idade, na faixa de 12, 13 anos, concluía uma quinta série primária, geralmente os pais precisavam que o filho parasse os estudo até pq não tinha condições para mais que isso, e a gente abandonava o estudo nessa época aí e começava ter um período de trabalho ajudando nas tarefas da roça, de casa”, relembra.
O recomeço
Após longos anos vivendo no interior, Aron decidiu mudar para a cidade e recomeçar a sua vida visando bons trabalhos e ajudar a família financeiramente. As dificuldades eram grandes e a falta de estudo dificultava todo o processo, desde sempre ter um nível escolar bom facilita as chances de trabalho.
– Depois, quando eu saí para o meu trabalho fora na indústria nesse sentido fez muita falta o estudo, tanto que pensava em crescer em alguma empresa que oferecia uma chance a gente voltava para a sala de aula no turno da noite trabalhava o dia quando tinha chance para poder fazer algum curso em alguma área, profissão, senão não teria como crescer mais –, diz Aron.
E foi assim que o jovem agricultor conseguiu mais chances, as oportunidades de cursos chegaram e não faltaram esforços para alcançar o objetivo de uma profissão, um emprego melhor. Após muitos cursos, Aron conseguiu adquirir a profissão de eletricista e até hoje, mesmo aposentado, segue no ramo.
A Educação de Jovens e Adultos - EJA é uma modalidade que foi criada pelo Governo Federal com todos os níveis da Educação Básica do país destinada então aos jovens, adultos e idosos que não tiveram o acesso à educação na escola na idade apropriada. Essa modalidade de ensino oportuniza que o aluno retome e conclua o ensino em menos tempo, possibilitando a qualificação para melhores oportunidades no mercado de trabalho.
Até porque o grau de formação acaba sendo ligado ao mercado de trabalho. Uma matéria publicada pela UnaBlog afirma “Em épocas de retração da economia, as pessoas mais afetadas pelo desemprego são aquelas que possuem formação intermediária, enquanto as pessoas com, pelo menos, com ensino superior completo no currículo, sofrem menos esses impactos”.
Em 2017, o Estadão publicou: “Metade dos brasileiros só tem ensino fundamental completo, diz IBGE”. O levantamento era de 11,8 milhões de analfabetos no país. A pesquisa que havia sido realizada levava em consideração as pessoas de 25 anos ou mais, por já serem consideradas cidadãos que já poderiam ter concluído o processo regular de escolarização.
Quando o conhecimento bate
de novo à porta
Conheça a história de Maurilho que deu uma nova chance aos estudos por meio de um incentivo do trabalho
Por Mariane Brandão | Compartilhe:
Filho de pais agricultores e com uma vida sem regalias, Maurilho Luiz Brandão, 56 anos, precisou interromper os estudos de forma precoce, aos 11 anos, ainda na infância.
Aos oito anos, Maurilho já trabalhava na colheita de café, milho e feijão. Serviços braçais e pesados para um menino que logo cedo já colecionava grandes responsabilidades. “A família era numerosa, precisava ajudar os pais a criar os irmãos mais novos. A gente teve que parar de estudar”, afirma.
A família de seis filhos residia em um sítio do interior do estado do Paraná, onde Maurilho nasceu no pequeno município de Bela Vista do Paraíso, que possui pouco mais de 15 mil habitantes e fica localizado a 429 quilômetros da capital paranaense, Curitiba.
Foto: divulgação
Maurilho em Aparecida, São Paulo,
aos 14 anos
O bela-vistense pôde frequentar os poucos anos de estudo em uma escola rural. Sem transporte público, ele precisava caminhar de quatro a cinco quilômetros diariamente para chegar à sala da professora Iraídes, na Escola Almirante Tamandaré, da qual ele guarda boas lembranças.
“Era uma professora muito boa, dedicada”, recorda. A mesma sala de aula reunía alunos do 1º, 2º e 3º ano.
– Era escola de sítio, não tinha merenda, não tinha mochila. Eles não davam nada disso. A gente levava lanche de casa para comer na hora do recreio e era aquela carteira que sentava em dois alunos –, ressalta Maurilho.
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Um novo lugar, novas oportunidades
Maurilho se mudou com a sua família para São Paulo, em 1979, em busca de melhores condições de trabalho. A vinda para o novo estado o oportunizou que mudasse os seus rumos profissionais, atuando como motorista em diferentes áreas. Em princípio, ele iniciou atuando como tratorista, condutor de transporte de frigorífico e de carregamento de cargas, motorista de ambulância, até por fim começar a sua carreira como motorista de ônibus fretado, a qual permanece até hoje.
O novo lugar também permitiu que Maurilho, aos 26 anos, conhecesse Edvânia Silva Brandão, a qual divide a sua vida até os dias de hoje. Em 30 anos de casamento, os dois tiveram duas filhas e, juntos, abriram o próprio negócio, uma loja de aluguel de vestidos de noiva e um salão de beleza.
Hoje, além de microempreendedor e motorista, Maurilho exerce outro ofício, o de barbeiro. A terceira e mais recente profissão veio com a vontade de ajudar ainda mais a esposa a ganhar uma renda extra e fazer o próprio negócio crescer.
O incentivo que transformou a sua história
Para consolidar a carreira como motorista, Maurilho teve que reassumir a sua posição de aluno. “Com a retomada dos estudos, que o Governo deu a oportunidade, as empresas pediram para que quem não tinha estudo, pelo menos o ensino fundamental e que procurassem as escolas para voltar a estudar. É um incentivo que dava pra gente, né”, relembra.
Nesse mesmo período, Maurilho já se inscreveu no Núcleo de Educação de Jovens e Adultos (NEJA) e conquistou o diploma do Ensino Fundamental.
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– A gente hoje, como um pai de família, que tem dois, três filhos, se não for com incentivo do Governo é difícil para poder estudar, porque é muita coisa, envolve muita coisa, aí fica difícil porque às vezes as condições financeiras não dão –, conta Maurilho
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Mesmo com as dificuldades encontradas para estudar, ele garante que vale a pena a dedicação e regresso aos estudos.
- Eu vejo que muita gente tem oportunidade de estudar hoje e não se importa com isso. Na minha época é porque não podia, então eu falo assim, que as pessoas hoje têm oportunidade e às vezes não ligam, mas qualquer ser humano que tiver oportunidade, que tiver vontade, tem que correr atrás –, destaca Maurilho.
O olhar do professor
A percepção de uma professora do EJA
Por Brenda Daniela | Compartilhe:
Foto: divulgação
Ingrid Oliveira tem alunos entre dezoito e trinta anos
Ingrid Oliveira, professora do EJA na Escola Estadual de Ensino Médio Monte das Tabocas, na cidade de Venâncio Aires- Rio Grande do Sul, fala sobre os desafios em ministrar aulas para as turmas do EJA, que abrigam alunos das mais diferentes faixas etárias: “Então hoje nós temos assim, as turmas são bem diversificadas. E eu acredito hoje que na escola em que eu trabalho tem até mais estudantes entre dezoito e trinta, do que com estudantes com mais de trinta, sabe, eu não sei precisar mas pelo que eu percebo, é meio a meio assim”. A professora também relata que os colegas mais antigos da EJA comentam que há tempos atrás a faixa etária desses alunos era de trinta e quarenta anos.
Durante a entrevista, Ingrid demonstrou sensibilidade e um olhar atento às necessidades e dificuldades dos alunos de EJA. “Eu acho que tem que ter muita sensibilidade (..). A gente aprende muito porque eles têm história de vida e dificilmente tu para de estudar porque simplesmente tu quer parar né, então tem uma história por trás disso’’.
Existe uma percepção de que é muito difícil o retorno aos estudos, principalmente para aqueles alunos que ficaram durante anos sem estudar. A professora comenta sobre os motivos que contribuem para a desistência de alunos que retomam e interrompem novamente os estudos: “Essa questão de voltar o novo né, retomar os estudos e eu acho que principalmente tu chegar em casa do trabalho cansado, e deixar a tua família e se deslocar até aquele local, ficar lá até tarde sabe, então eu acho que esses são os principais motivos.”
Para refletir...
No ano de 2013, o IBGE havia divulgado que 68,7% das adolescentes com filhos pararam de estudar sem concluir o ensino médio.
Por outro lado, uma matéria publicada no ano de 2016 pela Agência Brasil também revela dados do IBGE de que 1,3 milhões de jovens de 15 a 17 anos abandonam a escola. Desses 1,3 milhões de jovens que haviam deixado os estudos, 52% não haviam sequer terminado o ensino fundamental.
E é claro que isso reflete quando esses grupos procuram o mercado de trabalho, que continuamente passam a exigir um maior nível de qualificação para empregar, levando em consideração o desenvolvimento social e econômico do país.